14.6.15

Onde o dia é uma criança



Eis que surge a luz no fim do túnel, trazendo consigo um tal de Luís Vaz de Camões, mestre absoluto na arte de narrar viagens. Nas paredes da estação Vila Madalena, última parada da linha verde do metrô, até a escuridão do buraco não resiste ao brilhantismo dos versos de grandes poetas da língua portuguesa estampados no concreto.


E é bebendo da mesma água aventureira de Camões que iniciamos nosso percurso pelas ladeiras da Vila Madalena, um dos bairros mais boêmios e alternativos de São Paulo. A região é um marco por si só desde os anos 70, quando estudantes passaram a morar lá. A “Vila Madá”, como é carinhosamente apelidada por seus moradores, é um respiro no meio da selva de pedra. Suas ruas– Harmonia, Girassol, Purpurina- remetem a ideia de paz, seus muros servem de brinquedo para grafiteiros de todos os cantos e seus famosos barzinhos, abertos e despretensiosos, são um convite para aqueles que passam por suas calçadas carregando o peso de se viver em uma cidade grande.
Caminhando pela rua Harmonia, assim batizada, segundo alguns historiadores, por sugestão de jovens do movimento anarquista que tinham como objetivo quebrar a tradição urbana de homenagear autoridades públicas, chegamos ao edifício Bordeaux Biarripv. Localizado no centro da badalação e do agito, o prédio por si só conta com diversas opções de lazer, como parquinho para crianças, sala de ginástica e sauna. Atrativos que, para muitos moradores, interessam mais do que noitadas, ao contrário do que aponta o senso comum de que a Vila se resumiria à boêmia e diversão.
Natália Iritso, moradora do prédio, afirma que, apesar de estar na casa dos 20 anos, não gosta de frequentar bares e baladas. “Não gosto desse tipo de ambiente, mas não tenho problemas com o barulho. Talvez os andares mais baixos tenham, mas eu não”. Porém, ela ressalta que há aspectos negativos em morar em um bairro voltado para o público de classe média. “As coisas aqui são muito caras. Você não consegue sair na sua rua sem levar, pelo menos, trinta reais na carteira. Isso restringe o acesso das pessoas.” Os altos custos do comércio nada mais são do que um reflexo da valorização que os imóveis do bairro têm sofrido nos últimos anos. Segundo o Portal ZO Imóvel, o preço do metro quadrado na Vila pode chagar a R$8,5 mil, um dos mais altos da cidade. Percorrendo a região, prédios em construção e imobiliárias não faltam. Natália explica que ainda é um bairro recente atraindo novos moradores. “O bom daqui é que é bem arborizado e perto de tudo”. Segundo dados da sub-prefeitura de Pinheiros, a Vila Madalena conta, hoje, com mais de 50 mil habitantes.
Outra característica que chama atenção ao andar pelas ruas durante a semana, é a grande quantidade de babás, pessoas passeando com cachorros e outras cenas que remotam ao perfil familiar dos moradores. Uma empregada doméstica que não quis se identificar, diz não ter o que reclamar do bairro. “Tudo é muito bom por aqui. O transporte funciona, posso andar nas ruas...”.
Creche Lar do Alvorecer Cristão.
Em uma rua tranquila, uma casa simples com uma placa pichada avisa ser ali a creche municipal Lar do Alvorecer Cristão. É lá onde sua filha fica das 7h às 5h, quando a mãe, voltando do trabalho, passa para buscá-la e levá-la de ônibus para casa - rotina que, como pudemos observar, se aplica a maior parte dos pais da creche.
Além disso, o bairro tem sua parte mais agitada com eventos anuais famosos, como a tradicional “Feira da Vila Madalena” e o bloco de carnaval. E isso às vezes pode atrapalhar o ambiente familiar da Vila e os negócios. “O único problema de trabalhar na Vila é o carnaval. Temos que fechar a loja nessa época. Antes, muitas pessoas entravam aqui para usar o banheiro. Não podemos deixar, o banheiro é para uso dos clientes”, diz Renata Yaushova, gerente da padaria “Le Pain Quotidien”, na Rua Wizard, há três anos.
Apesar dos muitos estabelecimentos voltados para a vida noturna, essa loja é mais calma. “A padaria recebe mais famílias. É uma clientela tranquila. A badalação, os jovens, ficam mais pra lá (referindo-se as ruas à direita)”.
E bem diferente do que muitos podem esperar da Vila Madalena, durante a semana ela diz que a padaria se torna um escritório para muitos clientes, que ficam longas horas com seus computadores plugados enquanto apreciam os deliciosos quitutes e aproveitam do ambiente calmo que a padaria oferece. Quando perguntamos o que mais gosta dessa região, Renata respondeu animada. “Para mim, a Vila é perfeita. As ruas são tranquilas, tem bastante comércio. Não temos problemas com o barulho”, e sonha em um dia morar no bairro.
O oposto de Nádia, que trabalha como doméstica em um dos apartamentos localizados na região e tem uma relação diferente com o bairro. “É um lugar muito perigoso. Não dá para sair com bolsa depois das cinco horas”.
Amando ou temendo, a Vila Madalena continuará sendo a definição de um moderno que continuará eterno na vida de todos os moradores, freqüentadores ou trabalhadores. Sejam eles apreciadores da vida agitada ou de uma vida mais calma na querida “Madá”.

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